sexta-feira, fevereiro 23, 2007

A vida de Brian


4 pequenos irmãos, 4 destinos. Apenas um teve uma guinada radical na vida; um salto quântico. Moravam ao relento com a mãe cuidadosa até onde o limite da decência permitia. Um dia a decência, já moribunda, terminou em uma tarde trágica. Uma blitz varreu três indefesos corpos que rolaram para o terreno baldio, distorcidos e desfigurados pela ação de uma auto-satisfação regurgitada do prazer saciado. Mas como a vida reserva surpresas, o sobrevivente escondeu-se do massacre por puro instinto (ou sorte dos instintivos). Passada a tormenta, boas almas aproximaram-se do pequeno assustado, desamparado e solitário persistente. A mãe, o vento a levou da mesma forma que a trouxera. Mãos carinhosas tentavam alimentá-lo, mas o medo alimentava a resistência (como é difícil ajudar a quem nunca foi ajudado). Cansado pelo vazio existencial, cedeu à fome de sobrevivência. Acolhido, tratado, banho tomado, espírito reacendido pela esperança, lá estava ele sentindo-se alguém. Como não poderia me sentir surpreso ao chegar em casa depois de um estressante dia de trabalho e dar de cara com o mais novo componente da família, ali sentado com um olhar que aguardava o sinal verde para a dignidade? Sem forças pra dizer um não, acabei permitindo que ficasse. “Isso é coisa da minha irmã”, pensei. Aproximava-se da gente meio ressabiado. O nome que a princípio haviam escolhido para ele foi Rayan pelo fato de seu difícil resgate lembrar o filme. Só faltava registrar como Ryan da Silva. Nada contra os Silva é claro, pois sou um deles. A sonoridade de Ryan cedeu a Brian e assim ficou. Cresceu, encorpou-se, bigode e pêlo por todo corpo o tornaram a atração das gatinhas do pedaço. Passados bons anos, hoje já um adulto, faz parte das fotos do álbum de família com a mesma naturalidade de um membro como se fosse consanguíneo. Olho pra ele e vejo-o sempre ao meu lado — fiel companheiro a me olhar com um olhar de sincero agradecimento pela vida digna e feliz que possui. Tudo bem que está até meio gordinho. Também, não para de comer ração o dia inteiro. Tenho até que esconder desse gato espertalhão com seu inconfundível charme viralatês que tanto amo.

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