terça-feira, dezembro 19, 2006

Natal e tal


Meu Natal é hoje
Assim como meu presente
Amanhã não quero estar sonâmbulo

Não quero uma árvore de Natal só para meus olhos
Quero luz além do dia, além da noite
Acesa; absoluta; sem minha presença dentro de mim

Ceia Santa a qualquer dia, a qualquer hora
20 de agosto, 30 de maio, às 5 da manhã
Não é farta. É abundante na medida do infinito

Adultos festejam
Desde que sejam crianças sem vagas no olhar
Coração sino retine ecoa longe bimbalhar

Meu Natal não é coisa e tal
Me cobre com um manto de linho
Me torna odre novo de puro vinho

Não quero tudo isso como um sonho
Como brinquedo quebrado sem dono
Há que ser véu descerrado

Livre

Sem abandono

Meu Natal não é coisa e tal

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Cantos translúcidos


Vida sem rima
é vida sem rumo
temendo a estima
de todo esforço ser um demo
sem produção
assim acre, ocre, siena

incertamente sei
por onde caminho
no exterior
apoiado na frágil haste
das reminicências
das águas barrentas
da fome que venta
no ventre que inventa
mais uma vida
comovida
qualquer que seja
tal qual morte benfazeja

Minha saudade
— não sei se de outra encarnação —
bate como martelo
em minha caixa de ressonância
acho que é ânsia...
é ânsia...

Me confundo e afundo
pensando ser profundo
o mar em que me atolei
E eu que sei?
Se é que sei

É por aí que vou
Sabotando bússolas rapaces
seguindo minha indefinida voz
com a certeza de um instinto
ser mais um extinto
tão exato
como é minha momentânea ilusão

Cuspo fogo sobre as brasas do teu abraço
É a única coisa que faço
Antes que o abandono ao acaso
travestido de tempo
disfarce o contento que é o esquecer

segunda-feira, novembro 13, 2006

(f)útil ?

Onde estavas com esses olhos adormecidos
Por tantas lascívias insatisfeitas?
Por quais caminhos dobrastes teus sonhos
Como quem dobra memórias na gaveta do inconsciente?
Acaso precisas de terreno maior do que alguns pés
para o sumidouro do teu corpo?

Das sombras sufocadas por patéticos clarões
Adormecemos sem noção do despertar
Secas folhas pisoteadas pelo tempo descalço
farfalham como se fora o mais alto brado,
um clamor rutilante de indefinível saudade
esmagada pelo repassar dos passos

Tudo isso é muito natural
São águas bravias a desdenhar o rumo dos homens
Idólatra de si próprio a fugir
do rugir das tormentas de seu interno oceano
Quão pequeno estou nessa gôndola que sou
Navego na certeza que cedo ou mais tarde
não mais flutuarei sobre o profundo que naveguei

quinta-feira, novembro 02, 2006

O mundo jaz no silêncio


O silêncio. Quem o quer? Um par em mudo diálogo? Como se a ausência do som das palavras ou do quase inaudível farfalhar do nada a roçar ouvidos esforçados, solidificasse a certeza do... silêncio.
Absoluta solidão? Não, não há silêncio na solidão. O homem só não é silencioso. Ao contrário, nele abunda e fervilha caldos de diálogos inflamados consigo próprio. Só há monólogos onde dois ou mais circundam-se a chacoalhar seus argumentos e interpretações – que Deus tenha piedade de quem os tem – numa acirrada e disfarçada disputa pelo efeito de maior contundência na exposição

Um ente não dialoga; ele “monologa” diante de outros vários e tantos atentos monologantes. Ele apenas dialoga consigo mesmo tentando convencer-se com a precisão de um raro entendimento. Mas vã é a tentativa. Sabendo disso, engana-se a si próprio com a mesma elegância com que interpreta o mesmo engano que para si aprovou, para dar a outrem que o ouve atentamente como se o estivesse entendendo. Um consentido acordo de cavalheiros ocos, a preencherem-se de inócuas tentativas significantes.

Mas, e o sentido? O sentido, contido ficou enquanto internalizado no vasto mundo do imanifesto. A partir da manifestação, deixa de fazer sentido; apenas consente-se para que as delongas não prolongue enfados como em uma sala de espera a espera de se fazer entender.

Diante desse quadro – o qual não decoraria nenhum interior – espatulado com vigorosas pressões na realidade, mostra-se o quanto é praticamente quase impossível a socialização igualitária. Por único motivo: a individualidade. O homus-individualis, nada divide. A sociedade não é composta de “dividuais”. É decomposta por individuais.
Nunca será possível a longeva sociedade humana igualitária mas sim a circunscrita e desigual “saciedade” humana.

No silêncio de nossas alcovas individuais planejamos um “mundo melhor”. No máximo “dias melhores” com prazo de validade é o que se consegue. Resta-nos o consolo da engenharia “sensitiva” a construir pontes de acesso ao distante próximo, como uma forma de substituição à individualidade demarcada em nosso DNA.

No ensurdecedor barulho dos monólogos, acenamos com a esperança de que em um dado momento possamos nos fazer entender assim como nos entendemos a nós mesmos antes que interrompidos pela morte, possamos soçobrar em um eco perdido.

domingo, setembro 03, 2006

Mercado de almas


Um dos mais antigos sistemas mercadológicos existentes neste planetóide, avança peremptoriamente, aguçando o apetite das “negociações” que se utiliza das espécies pseudo consagradas tais como ouro, dinheiro, diamante, armas, drogas (tanto alucinóginas, estimulantes, como as farmacológicas também) prostituição, armas, escravização trabalhista e toda a honomatopéica banalização do senso humano. Esse elemento intangível, porém de inequívoca aceitação — consciente ou não por parte eclesiástica, suástica, científica e artística — por (con)senso comum denominado “alma”, no vasto mercado de compra e venda, vem confirmando-se como moeda corrente de insuperável aceitação por parte dos que sabendo muito bem o que fazer, induzem aqueles que sem perceberem, são utilizados quando pensam serem os utilizadores.

Quem sabe já não estaria na hora das instituições financeiras desenvolverem planos de aplicação anímica a médio e longo prazo. Esse plano lhe daria direito a resgate de sua própria alma sendo que a mesma ainda ficaria como garantia caso você viesse a falecer antes do prazo da aplicação. Como morto não fala (no máximo apenas emite psicografias) durante a estadia corporal, o acordo estaria selado em sangue corrente. As bolsas de valores teriam um upgrade nas movimentações. O pregão lançaria dividendos anímicos. Muitos entrariam nesse jogo para ver seu capital anímico aumentar consideravelmente. Outros, por conta de excessiva ousadia, veriam toda sua alma acumulada durante muitas experiências, desaparecer como em um passe de mágica.

Os aplicadores profissionais, lançariam boatos que abalariam a confiança investida em muitas almas envoltas na ciranda pneumática. Surgiria em meio a toda essa nova ordem psiquê, uma conseqüência clínica e despudorada a respeito do desrespeito com a classe dos desclassificados animicamente: os pobres de alma. Não haveria como dar-lhes uma esmola que lhes alimentasse a alma. Combalidos, e tidos já como sem nenhuma chance com o nada de alma que lhes afetaria, não distinguiriam a diferença entre estarem vivos ou mortos. Os empolados, regurgitantes de riquezas psíquicas, continuariam empolados e regurgitantes de riquezas psíquicas, refletindo o brilho do vil metal anímico. A legislação não conheceria nenhuma lei que se pudesse aplicar a um “roubo de alma”. Por habitar um corpo, prendendo-o, estaria a alma solta a vagar e divagar. Os altamente cobiçosos, desalmados, na vã tentativa de manterem seus ganhos “morais” acumulados em seus patrimônios, cegos, pensariam poder carregar suas riquezas de alma quando abandonassem seus cofres (aqui, uma nova terminologia corporal). Herança seria o bem mais temido pelos herdeiros diretos.

Quem gostaria de receber um patrimônio anímico duvidoso, inflacionado pelas instituições desconfiáveis a ser incorporado à sua constituição psíquica ? Seria melhor herdar castelos, mansões, quilos de ouro, do que um pote até aqui de almas endividadas pelo excesso de inobservâncias de si próprias. Não se tem mais como objetivo único e exclusivo o mercado de consumo mas sim o consumo dos consumidores. Consome-se seus sonhos, seus ideais, seus pés esfolados no trilhar do caminho da verdade. Para atingir esse objetivo, o mercado fabrica comportamentos de última geração, idéias pré-concebidas, anseios revolucionários e a maravilha da indústria do adestramento mental.

Quem tem sua alma que cuide de si mesmo no valor que em si próprio está encerrado. Venda seu aparelho de som, anuncie seu carro, ponha a venda sua casa, sua máquina de lavar velha, seus discos, seus livros e nada mais. Nunca, mas nunca publique: tenho uma alma usada em bom estado de conservação; vendo por falta de motivos para mudar.

Leandro Soriano

segunda-feira, agosto 28, 2006

Despoesia – Ou repoetizar

Coros invisíveis visitam com o vento
Restos de madeiras, brinquedos jogados
Corações alados, festa na ladeira
Mastro descerrado, no fim da vida
Que vida é essa que morre
Nos dias existentes?

Abduzido pelo fugaz instantâneo
Adormeço no tanto que mereço
Pelo preço que me custa pagar
Sou Sísifo carregando rotinas
Anjo sujando botinas
Falange de um homem só

Corta-me o coração a navalha do dia a dia
Sangra perfume de flores
Como se isso fossem dores
Colhidas nos calos da compreensão

sábado, julho 29, 2006

Não sei


Como posso silenciar nas palavras
o significado que a palavra contém?
A cada palavra escrita, grita em ecos
o que silenciosamente morre
após viver o sentido que a habitou

A cada palavra dita
bendita seja na lavra que a expressou
Maldito ensejo no que tão cedo provocou

A cada vez que penso em Deus
vejo-me espelho e nele vejo-me a ver-me
E o que penso ser
sendo o que sou,
nada diz-me que suplante a palavra emudecida

Tristes são as moradias dos homens
Habitadas por luzes interrompidas
Presumidas falácias dos dias findos

Habito-me sem ter onde morar
Não alugo estrelas
Apenas o brilho faz-me albergar

É hora, sempre é hora
Como se o tempo fosse acabar
Nada me parece ser o que sempre é
E tudo é o que parece ser a única verdade
escondida por detrás dos tempos

Os vulgos constroem escombros
com ar edificante
Sombras de quimeras
Nada mais do que simples eras

A passar e repassar

domingo, julho 16, 2006

Sem palavras


Escreva-se
Faça-se em palavras
Ponha os pingos nos is
Acentue-se de forma grave e aguda
Passe por entre linhas
Hifenize-se se preciso for
Coloque-se entre aspas
Se abra entre parenteses

Se o espaço te oprime

Pule pra outra linha

Use os dois pontos a que tem direito
Comece um novo parágrafo
Diante do absoluto exclame
Diante do desconhecido interrogue

Não construa uma verdade com meias palavras
Isso serve somente para um bom entendedor
A cada vírgula respire fundo
Vá direto ao ponto
Seja afinal o ponto de partida

E se mesmo assim
Depois de tantas letras
Nada lhe fizer sentido
O ponto final se encarregará de fazê-lo
Mesmo que para isso
Lance mão da imagem do não sê-lo
Livre como um livro

quarta-feira, julho 05, 2006

Cálice

Como vinho
Assim é minh’alma tinta desprazeres
Suporto o lagar da vida
Pisoteio feridas a extrair néctar

Tonéis resguardam memórias envelhecidas
Tidas serventes à embriaguês
Sorvida como se fora vida bebida de uma só vez

Brindo só e com minha sombra enquanto é dia
Logo que a noite chegar
Junto, um convitea à lucidez
É deixado no balcão de meus sonhos

Caminhando nesta fresta faço festa com meu brindar
Agora que o desbotar me colore
Arreio minhas portas
Sou tarde
Sou último gole

terça-feira, junho 20, 2006

Admirável mundo velho. Ou a sociedade perfeita?



A ordem natural da vida seria profundamente revolucionária se ao contrário de nascermos bebês, já nascêssemos velhos. Isso mesmo: já com a idade bem avançada.
Imagine-se vir ao mundo com, digamos... 90 anos — estabeleçamos essa idade apenas como um ponto de referência para desenvolvermos nossa extraordinária abstração. Ela poderia ter variações, tal como casos de “nascimentos prematuros” aos 80; ou quem sabe até mesmo com 75. Bem, continuemos a nossa digressão.

Nada de tapinhas no bumbum, provocativos de choro como sinal de que tem fôlego o suficiente pra mergulhar na profundidade da existência, dados pelo médico; nada de dores de partos; nada de enjôos ou desejos femininos às quatro horas da matina; nada de barriga durante nove meses.

Você mulher deve estar se perguntando: “Isso significa que não terei aquela charmosa barriguinha de fazer inveja nas minhas amigas? Não estourarei o cartão de crédito comprando o enxoval e decorando o quarto? Não sentirei chutes nas costelas e nem ficarei conversando com a própria barriga?”

E os homens: “Então não terei que me preocupar com escolinhas que cobram mensalidades absurdas? Poderei dormir tranquilamente mesmo depois de chegar tarde após um clássico Fla Flu? Nada de ajudar a limpar as cacas com aspecto de vitamina de abacate?”

Aí já vislumbramos os efeitos revolucionários.
Como se daria a concepção? O modus operandi tradicional seria mantido para deleite usual. Porémmm... acabam-se os nove meses de espera. Após uma semana bate à sua porta seu filho-avô ou sua filha-avó resultado da junção fluídica dos pais em espantoso e rápido desenvolvimento.

Já chega ao convívio familiar com suas faculdades mentais totalmente desenvolvidas e seu reservatório de experiências de vida, abarrotado.
Por herança genética já nasce falando fluentemente um, dois ou mais idiomas.
Com esse cabedal de conhecimentos, cuida de seus pais como se fossem seus filhos. Com uma grande diferença: não precisará mais ralhar com eles quando erram ou se precipitam em desordenados projetos de vida. No seu primeiro aniversário de 89 anos, a casa estará cheia de velhos amigos em meio a correria de crianças maduras e educadas que na verdade são seus tios, primos e avós.

Nos seus primeiros 35 anos de vida, viverá desfrutando de uma justa aposentadoria.
Recebendo seus proventos e preenchendo seu tempo com ampliação de sua consciência sobre valores elevados que já sabe que são as coisas mais importantes da existência; essa consciência leva a não cometer mal algum tanto a humanos como a animais; uma ampla e natural consciência ecológica; crimes são desnecessários porque não há desigualdades.

Paulatinamente o seu vigor físico e todo o seu fluxo de energia se ampliam moldando-lhe um estado atlético de forma natural e saudável. Ao chegar aos seus já longevos 20 anos, seu nível de responsabilidade estaria próximo do inacreditável.
Escolas existem apenas para encontros de trocas de conhecimentos.
Amar deixa de ser um verbo intransitivo e passa a ser confundido com o próprio mundo;
A medida que “avançamos” em regressão de idade, somos invadidos por uma felicidade de difícil definição através das palavras: algo como voltar pra casa, já velha conhecida. Por isso não há medo pelo fato de saber-se com antecedência que se vai sair de cena com data marcada.

Passando-se os últimos meses de vida, chega-se finalmente ao inicialmente. Cessam as palavras ; os olhos brilham cheios de plena consciência.
Silêncio. Alguém está despertando.

quinta-feira, maio 25, 2006

Transversos

Som transparente
Transpassou translúcido coração
Tão transpassado iniciou-se transformado
Tinham-no coitado
Inverso ficou são

Transpiro inverno
Aí reside minha desdita
Isso é coisa e coisa é dita
Travestida de palavra alheada
Como sou, tanto por mim
Quanto por um quase tanto

Vou chegando ébrio de consciência
Minha paz é ciência no sacro ofício
Em torno de mim, giro
Transfiro a dor até não mais pensar
O quanto flutuo não tenho como pesar
até me transportar além desta inversão

segunda-feira, maio 01, 2006

Verniz

Ao chegar a noite
Descanso na paz de minha inconsciência
Plena de infecundas prepotências
Sonho, ao sonhar que pelos anjos sonhado sou

Por debaixo da soleira da lembrança deixo-me bilhete
Sub-reptício a este sem que eu saiba
Porque no fórum, ainda durmo ante anestesia
Dos dias demarcados em gotas de instantes

Ah, sede de vivo acordar!
Apressar-me à missiva cunho pré-escrito
Cursivo de um alfabeto já coisa
No propósito lento ao entender

Agora que não penso mimeticamente
Percebo que meu coração é alcova
Ante câmaras fechadas às loucuras
Envernizadas do nobre vernáculo “ser”

Ainda não me sei
Mas sei o tanto que portanto me desprezei
Nem por isso sou de fato prefácio
Do que ainda me escreverei

sábado, abril 08, 2006

Demônios


Pose para uma máquina sem filme em cenário real
Oração sem ação
Ainda assim quem me dera
Respiro porque fundo
Espelho imagem trincada
De cada pedaço faço-me inteiro
Sem meias verdades
Escarafuncho o aninhado canto
Obumbro aborto e abordo minha engrenagem
Emperrada por crispados eões

Fantásticos cruciformes cristalizados
Uso capião desta terra de alguém
Faço minha minhas palavras
Entre letras por entre letras em busca da palavra vaga
que nauseabunda em meio as frases feitas
e deleitas ao amargor de encerrar-me
ao que ignoro e por tão pouco imploro

A cada dia que passa cometo suicídios noturnos
ao despertar vivo como se tudo pudesse acontecer
na palma de minha imaginação ao longo desse curto tempo
Sinto ameaça se meus sonhos são apenas sonhos
Sonhados e tardificados no anonimato de quem sou
Tolas são as rosas de plástico
Pleiteiam-se eternas sem o saber do perfume
que as distingue da eternidade

Óh soberba rosa, teu tudo tão pequeno
Nem ao lixo útil serventia possuis
Nem ao menos és pó a ter para onde retornar

De frestas são feitas as sombras da vida
A imitar claridade por onde o equânime
Enverniza a insanidade
De tanto sonhar agora sonho que existo
Isso supus sem ao menos ter-me dado conta do que sou

A cada instante em que olho para o relógio
Lembro-me de meus olhos mortos
A procura de vida em meio ao inexistente
Como se vida perdurasse contida em um discurso eloqüente

É hora de fechar a boca de meus ensurdecidos dedos
A apontar os medos disfarçados de crianças
A brincar sua inocência com o frescor arcaico
De meus vorazes demônios

sexta-feira, abril 07, 2006

(dú)vida

Viver é a arte de se despedir da infância
Adulto, tudo adultera
No fim, resta a primeira compreensão:
Não sou o que viveu
Em meu lugar deixei-me à minha espera

sábado, março 04, 2006

Varredura, Luz e Sangue

Tudo o que falo
Tudo o que escrevo
Tudo o que silencio
Não expressa o que sinto, o que penso
ou o que sei

Versejo; iço velas ao vento
Sob o qual tento navegar por mares da significância
E navego... nave ego

Sou Alma
Sou código de barras
Decodifica-me
Varre-me com tua leitura óptica
Ou te devoro pelo enigma
da mentira que só é mentira
o quanto à ela dá-se ouvidos insuficientes

Existir é a finitude de ser
Não ser é o viver infinito

É o tatear de um cego
estar de costas para a verdade?

Por minhas veias correm epitáfios
Lapidados por glóbulos solúveis à esperança
além da quimera da imortalidade

Minha vida se encaixa como uma luva faltando um dedo
por onde o medo, que outrora à soberba apontara,
acena agora ao último porto de onde partirá minha identidade

sábado, fevereiro 11, 2006

Promissão

Já posso partir
Todos os restos deixados, partidos, pontiagudos,
não sangram mais às mãos destino
Tênue é o pensar com os próprios pensamentos
Aquilatado é o que consumimos enquanto dormimos
os dias de nossa fugaz inteligência

O sangue é meu soro
Em gotas passam-se os dias
Existo porque penso,
Logo, vivo?

Meus sonhos tem janelas
a convidar-me a ver o que sou
correndo lá onde minha liberdade é vento fresco
Emudeço e no silêncio
descrevo-me sem necessitar das palavras

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Espantalho


Os dias correm profundamente azuis
O céu possui asas douradas
E a noite seda negra perfurada de frestas prateadas
Minha periférica visão turvou-se
Não ando, os dias passam
E o tempo esvoaça destemido bando de corvos
Seca garganta rasga minha desinteressada mudez
Sede absorve-me até a última gota que se esgota em orvalho compreensão
Recheados corações de palha
Prontos a arderem ante emoções-tochas
O que me assombra é o além da janela
O que estremece e assola o chão fincado
já tão minguante de pensar é o som do claudicante vazio mental
No vazio, penso
No mental sou pensado

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Renegado


Às vezes sonho que estou livre
sou a bomba que solta,
recusa atingir o alvo

Acordo e no silêncio de alvas pombas
vejo-me em meio ao bombardeio
As horas disparam

O tiro acerta o tempo e eu,
a tempos que me busco,
sou encontrado pela minha bala perdida

Chove lágrimas de verão
Sem capa deixo-me molhar de culpas
O sol já vai sair
Atiro-me à única munição
Meia Luz

Sem você meus dias são intermináveis
Meu coração é um salão vazio
Nele, meus sentimentos ecoam
Meus pensamentos destoam mais
Do que um quadro pintado por Dali

Ao transpassares minhas lembranças
Faço de conta que sou do contra
Que sou mais forte que Davi

Tardia noite chega
Minha mão se aconchega
Na vã procura por ti
Sonha com os próprios dedos
A tocar nos teus segredos
Que um dia desvendei ao te sentir