terça-feira, março 04, 2014















Tramas

A linha do tempo
passou pelo buraco da agulha do destino
costurou retalhos pretéritos

O estilista, diante da sobrevivência,
teceu necessidades
cobriu o nú da realidade

fantasiou a vida

Ditou moda

quarta-feira, fevereiro 19, 2014



















Despoema


Descrevo o verso
diverso e confesso
palavra descrita
desalinhada bendita
desfeito sentido
fica o tudo
restos de um pouco
inteiro por definição
descabido mal cabe 
entre tantos rabiscos
olho e cisco
dão-se as mãos

Contínuo desapego
desacostumado e tão cedo
empresto minha saudade
que nunca mais a verei
Pela vaidade
Devolvo, me envolvo
Não sei se é finita 
alma que grita
Subtraída da vida 
em contos e descontos
Atino destino ao que parte e ao que fica
Tudo soçobra, sobra desdita 

quarta-feira, fevereiro 05, 2014




Palavrar

Apesar delas estarem agora, bem à sua frente,
escrevo não para colocar palavras no papel, mas para tirá-las.

Não é fácil tirar as palavras do papel. Ela insistem, persistem e não desistem tão facilmente.

Lutam pelo direito à fixação de sentido às suas inúmeras combinações redacionais. E não poupam esforços para atingir seus objetivos. É preciso muita paciência e perspicácia para convencê-las a saírem do papel, darem uma volta, quem sabe até levantarem voo para além de si mesmas. Isso é muito para elas. Não estão acostumadas a se distanciarem além do território conhecido muito menos levantarem um centímetro além da superfície celulose. Esse “até aqui e não mais além” vai desde muralhas praticamente inexpugnáveis do senso retilíneo até ilusórios círculos de giz dos conceitos, pré-conceitos e pós conceitos.

Persuadir os sentidos anestesiando-os com doses maciças de linhas sub-reptícias é a distração suficiente para se transpor a exatidão do concebido para além do restrito.

Nada é tão sonolento do que o pensamento frequente de que tudo prevalece entre o verdadeiro e o errado.

Enquanto as fronteiras são patrulhadas, escrevo nos intervalos entre as palavras.

quinta-feira, janeiro 30, 2014






















O tanto que me cabe



O que faço com o amanhecido
Que todos podem amanhecer?
Diluído nos sentidos do que já sei
Muito sobra do que há para saber

O vento — de má vontade — por vezes egresso
Acredito, nem ele percebe,
Tráz-me ao olho, o incômodo
D´alma em prosa e verso

O que pertence aos muitos
Não passa de olhares e gestos
A mim cabe o tanto que me cabe
Aos outros apenas o que conhecem

Se inúteis, quão inútil seria
A dor  transformando
A quem, no alto estando,
Nem aos olhos reconheceria

Tudo que há em mim
Vasto e tão profundamente nada
nada me deixa sentir falta de ausências

Não fico. Vou para onde estou

quinta-feira, janeiro 23, 2014






















Caminhos

Migratórias
A balouçarem nas escutas
Sussurradas nos ventos cálidos
A suavizar as quentes paredes cardíacas
Ocas de cansaço

Fujo do abraço
Que vem e me aperta
Sobrando-me o que sou
Quase poeta
Findo-me jardim
Plantei a flor incerta

Dessa floração
Luz fatiada
Colho o pedaço que me cabe
Como espasmos celestes
Sonho... sou desencontro
Perdido nos ciprestes

Esses caminhos
Tão descaminhos
Seguidos à risca
Não deixam pistas
Seguem adiante somente
Da alma muito fica pendente

Longe chego próximo ao que me resta
Não sou virgo
Não sou fresta
Sou teu engano pretenso
No lasso do teu entendimento

É o que te resta

quinta-feira, janeiro 16, 2014



Alma crua


Visto-me de um “eu sou”
Ideal e desmedido às minhas proporções
Embotados, costurados costumes
Avesso à moda do “amor ao semelhante”
Sendo tantos desiguais

Ah... vida trocada, existência tão breve
N´alma que não se atreve a descrever 
o que acredita ver 
revestido por tanta invisibilidade

Esse mundo cartório
Criou um deus que atende aos petitórios
Lavrado em ata assinada por analfabetos
Que em vários dialetos crêem certo
O amor cego amar a si como vê aos dessemelhantes

A cada instante, como um louva deus,
Mimetiza o figurante,
Toda sua posse maquiada
Por um prazer que dá em nada,
Antes, durante...até o fenecer

Não há avisos impressos ao nascer
Tudo se cumpre letra por letra
Até mesmo para quem não sabe ler

Cansado de saber que me cansarei,
Não paro de andar dentro de mim
Por um caminho que não tem fim
Esse sim, inominável como a beleza
Tem gosto azedo aos doutos apressados
A vencer uma cidade

Despertar é um acordo entre sonho e realidade
Sem veleidade, esse eu nu, despojado de si,
estrelas ocultas pelo sol 
Anda... até voa,
Sem saber o que é dormir

quarta-feira, janeiro 15, 2014
















Instantâneo


Um pensamento fosco
cai em largas  passadas
Lembranças de chuva a ermo

A linha do mar, toda finita,
se engrandece ao abraço do céu
Breve, inquieta-me esse oco do tempo

Dia finda no vácuo das suposições
Flutuo, avesso ao trânsito da mesmice

O que sou nesse instante que se foi?