terça-feira, setembro 27, 2005

Durante o ainda

Não tenho começo se me acho completo
Sou sim repleto de muito a me fazer
Antes de me entardecer tenho o amor que te quero
Cabe todo ele em um bilhete sem paixão
Mas ardente como é um coração em paz
Ademais sou teu sem tu o saberes
Ao me dizer nada quereres
és verdadeira só até o anoitecer
testemunha de todas as estrelas
que disfarças esconder

terça-feira, setembro 20, 2005

Imagens, sons e dessemelhanças

Anjos não criam milagres
Realizam obras com a segurança de estúdio
Filtros evitam chieiras e distorções
Total controle até atingir a perfeição
Humanos fazem show ao vivo
Muita vezes mal ensaiam
Carregam na energia
Improvisam efeitos
alheios aos próprios defeitos
Ao fim da apresentação
morrem e gravam seus feitos
como se imortais fossem
a deixar imortalidade impressa
em partituras resampleadas
de opus inacabados
Anjos não gravam
executam infinitamente
em dó maior

segunda-feira, setembro 19, 2005

The End
Tela preta, silêncio. Por um momento, tudo escuro.
Sobe a ficha técnica.
Os nomes e funções vão se sucedendo. Que pena. Todas as cenas foram ao vivo.
Não foi possível regravar as eventuais incorreções.
Se pudesse teria refeito várias cenas.
O sonoplasta me garantiu momentos de audição cristalina, mas muitas coisas não consegui ouvir claramente. Outras finji não ter escutado direito. O figurinista criou vestimentas para todas as ocasiões. O roteirista me deu rotas diversas das quais disconcordei. As falas me pregaram peças. Quando deveria dizer não disse. Quando falei, melhor teria sido me calar.
E a trilha sonora então! É só ouví-la e todas as cenas repassam perfeitamente em minha mente. Mente?
O coadjuvante muitas vezes roubou a cena e eu me achando o personagem principal fiquei ofuscado pela sua atuação.
Figurantes haviam vários. Aliás, sem exagêro, milhões.
Talvez o mais incrível é que só agora tomei conhecimento de quantos participaram na produção da minha história. Ilustres desconhecidos garantiram que inúmeras das minhas performances não passassem despercebidas. Outras tantas ninguém nunca ficou sabendo sequer da existência. Existência?
Efeitos especias não poderiam faltar. Em muitos momentos difíceis eles me salvaram a vida criando soluções que pareciam impossíveis. Até mesmo uma sobrevida.
Senti-me um super herói.
Por fim, (ou por início, não sei bem ao certo) devo dizer que qualquer semelhança com coisas, pessoas, histórias, dramas, situações, aventuras, mentiras, ou manipulações que seja, e ainda com mediocridade, esperteza, serviçabilidade, animalidade, inocência, luxúria, sabedoria, amor, etc., etc., etc., que tenha havido, terá sido (ou será) uma incidência profundamente questionável.

domingo, setembro 18, 2005

Janelas e caixas abertas
Abri minha caixa de sentimentos
Estava vazia
Não vazia de sentimentos
Mas de sentimentos vazios
que desertam as horas passageiras
e deixam insubstante
a vergonha de ser mundo
A janela aberta
está como asas recolhidas de falcão peregrino
Do tempo respinga interrogações
a torturar a mente cambiante
que entre tantos "antes"
busca o começo de um sentido
para o que não tem fim
Abraço o que meu entendimento alcança
E alcançando-o trago-o junto a mim
para que sinta o bater de minha inquietação
e tome de meu pulso e diga-me se vivo
ou se apenas sou
E tendo "feliz e inconsciente" como diagnóstico
afasta de mim essa desgraça passageira
Só o passar despercebido entre o tardio e o fugaz
expande sem interrupção ser-se o que se é
Não busco glórias do mundo
Basta-me um destino vazio
Nele preencho-me e transbordo-me sem desperdício
o vício de ser nobre como o silêncio
Apenas palavras

Descrevo
as linhas desse perfume
enrodilhado no agradecido olfato
que de fato me envolveu
Em cada esquina do teu corpo
te encontro sem atraso
Como líquor que a sede escorreu
Deslizando por entre madrugadas
Amanhecendo sonhos
Vivendo vidas
Escolhidas a quatro mãos

No diálogo dos gestos
Enquanto o tempo parou
disse-me teu tato:
és-me toque do sentido vasto
neste alabastro por ondeo medo evolou

sábado, setembro 17, 2005

Dublê

Observo oculto, palco vazio de luz
Os atos estão na cortina fechada da memória
Ecos do silêncio reconstituem cenas mal ensaiadas
Alí, mudo, ouço-me na fala mal pronunciada
Improviso-me surpreendendo-me com efeito
Momento de risco, sou coragem fora do script
Palmas, palmas, palmas... é diáfana platéia mecanizando alegoria
Olho-me no camarim de minh´alma, sem maquiagem, sem rosto
Vejo-me sem glória vã
Não, não posso apresentar-me como sou,
se o que sou, me é desconhecido
Só o ator atua completo, persona garbo empolado,
alternando humildade com vilania
Sou Zarathustra, sou mendigo, sou figurante
Amo e odeio com intensidade de até convencer-me,
garanto assim respeito, refratário respeito admirado
Drama vibra assistência que nutre drama sanguínio
Catarse vingada, posteridade forjada
Ode aos loucos é aplaudida de pé pelos doutos alienados
Tudo é espetáculo, tudo é fama fatal e gratuita
Aclamado, hipnotizado, Fausto eternizado às multidões
Alçado ao mais alto papel, morro antes do ato final
Impassível assistência, remove o inoportuno
Reposto, teia recosturada, o espetáculo não pode parar
No melhor que me premiaram, sem o saberem,
meu dublê idolatraram
Ontem


Acredito no ontem
Tudo que me foi em vão
Está no ontem
Nele plantei e sei que não colhi
Ontem nem mesmo sabia o que sei
Nem mesmo acreditava em mim
Tudo que é hoje passa Só o ontem fica
No atormento de que não volta mais

As águas acalentam minha mudez
Com o marulho constante de meu pensar que não penso
Tudo que vivi, estou vivendo agora
Como se nunca vivera antes
Uma grande biblioteca é o futuro
A aguardar as edições dos próximos “ontem”
Folheio-me enquanto há tempo
Leio-me a passar o tempo
Um dia acabo-me e só o tempo continuará
Só o ontem permanecerá na distância de cada instante