Despoema
Descrevo o verso
diverso e confesso
palavra descrita
desalinhada bendita
desfeito sentido
fica o tudo
restos de um pouco
inteiro por definição
descabido mal cabe
entre tantos rabiscos
olho e cisco
dão-se as mãos
Contínuo desapego
desacostumado e tão cedo
empresto minha saudade
que nunca mais a verei
Pela vaidade
Devolvo, me envolvo
Não sei se é finita
alma que grita
Subtraída da vida
em contos e descontos
Atino destino ao que parte e ao que fica
Tudo soçobra, sobra desdita
Palavrar
Apesar delas estarem agora, bem à sua frente,
escrevo não para colocar palavras no papel, mas para tirá-las.
Não é fácil tirar as palavras do papel. Ela insistem, persistem e não desistem tão facilmente.
Lutam pelo direito à fixação de sentido às suas inúmeras combinações redacionais. E não poupam esforços para atingir seus objetivos. É preciso muita paciência e perspicácia para convencê-las a saírem do papel, darem uma volta, quem sabe até levantarem voo para além de si mesmas. Isso é muito para elas. Não estão acostumadas a se distanciarem além do território conhecido muito menos levantarem um centímetro além da superfície celulose. Esse “até aqui e não mais além” vai desde muralhas praticamente inexpugnáveis do senso retilíneo até ilusórios círculos de giz dos conceitos, pré-conceitos e pós conceitos.
Persuadir os sentidos anestesiando-os com doses maciças de linhas sub-reptícias é a distração suficiente para se transpor a exatidão do concebido para além do restrito.
Nada é tão sonolento do que o pensamento frequente de que tudo prevalece entre o verdadeiro e o errado.
Enquanto as fronteiras são patrulhadas, escrevo nos intervalos entre as palavras.