quinta-feira, dezembro 29, 2005

Salamandra

À primeira vista parecia ser amor
Mas foi a queima-roupa
Que senti nossas chances nesse ardor

Teus sentimentos em carne viva
A flor de tua pele ousei colher
Pétalas de quem ama
Arranjam-se em vaso
De um invisível Ikebana

Todos os glóbulos em fogo
Consumiam avidamente
o que de olhos fechados podíamos ver

Se isso é amor ainda não sei
Pois se dizer que sei
Espanto revoada de azulões
Emudeço trovões
Desafino sinfonias
Trinco pote de jade
Incinero, tal como Nero,
O bem à maldade

Apenas sei ao dizer: “com quem andas?”
O que sou, abraço em esquecimento
E no suor-combustível
Amam-se duas salamandras

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Lucidar

Não quero ser lúcido além da conta
que eu no final da brincadeira, não possa pagar
Não divido dúvidas
Não quero dívidas
Generoso, divido minha ignorância com os cegos
Sou o parênteses da equação matemática
Anátema do entendimento pretérito mais que perfeito
Lucidez é acidez pr´alma
acostumada a não deixar de ser a mesma nunca
Não quero ser super-homem
de uma vida sem quadrinhos
Quero meu pull over azul marinho
incinerado no dia de minhas cinzas
Sentar na minha poltrona quando estiver na lona
e dormir pra não sonhar que estou acordado no mesmo lugar
A lucidez me desespera porque me faz ver o que não posso definir
E a quem definir?

Receio amar o desespero e espero tê-lo a levar o ar que me sufoca
Lucidez é luz que clareia e mostra meus aposentos feridos
Sentimentos retidos na vida prisão
Na falta de não fazer, (re)existo
Deixa-me surdo de silêncios
O fermento que aumenta
E atormenta meu breve espaço pra sonhar
A loucura que é lucidar

domingo, novembro 13, 2005

Diaporama de um luto


Hoje alguém morreu
alguém que não conheço
agora neste instante
antes mesmo de escrever estas letras mortas
Não sei se foi feliz não sei se veio infeliz
Nem mesmo sei se ao partir levou a vida que o levou
Não deixou marcas apenas o que seus rastros lhe marcaram
Se espargido foi esse pó viaja ao vento misturado à solidão das brisas entardecidas
Levou lembranças?
Pra quê se lembranças são nuvens esparsas difusas ao sabor de correntes
decorrentes de nem ao menos sei o quê?
Afinal, mais um final
E somente mais um
Em meio a tantos meios de vida que até Deus duvida que tenha alguma vida a ser pedida
Sem ter como referência o que seja o mal
e deferência ao que seja o bem,
todas essas consciências sem anti-corpos
já não apresentam defesas em face desse ser que é o ser sem o saber-se ser
Agora a pouco um viveu (?)
Talvez em busca apressada do sono que lhe dê a chance de sonhar Sonhar que vive
Para não acordar os sentidos neste findo mundo sem sentido
Anestesiada razão alfandegada
Chega-se como almas imigrantes
ausentes memórias antepassadas
sem visto de permanência

E é tão curta essa ambivalência

Falto aos olhos é a visão do que se ouve silenciosamente
Tão silenciosa mente a ouvir distantes estalos de sensações
como gravetos partidos no alquebrado notívago coração de emoções
O vento a sentir em fechados olhos
Faz-me saber que diante estou do horizonte
Esse que ao amanhã tão imediato não o tem como futuro
Sofrer demasiado ou pouco sofrer
não isenta alma a tanta insensatez
que por sua vez em cálida tarde d´esperança
suspira último medo de não a eternidade reconhecer

Ainda agora

alguém nasceu

quarta-feira, outubro 19, 2005

As flores que não chegaram

As flores que não chegaram
Você sempre as recebeu
Não porque não as tivesse mandado para ti
Mas porque as arrancava de meu jardim
Mal cuidado e falto de mim
E a cada momento tão perto de tua distância
Não via relevância, sendo eu criança antiga,
deixar cair pétalas desajeitadas
Apostei na fragrância de meu olhar
E só o que pude em minha razão enxergar
Foi ver que tu não me vias
Foi pensar como pode alguém saber o que sinto
Se o que sinto ser amar
Só em mim posso não saber o que realmente sinto
Sem lastro não transponho fronteiras,
não tenho passaporte
Adentro territórios em trajes irrisórios
Que nunca chamarão tua atenção
Mesmo sendo de ouro
Como um cego a procura de roseirais
Tateio os espinhos como se mestre fora capaz
Da mais pura rosa_aquela que te entrego quando dormes_
Deixar ao teu lado envolta em laço d´ouro
Como se a cada dia teu
Em mim fosse aniversário
E as flores não chegaram
Aviso aos navegados

Tua ausência me preenche
Noite dia
Noite agonia
Vejo-te barco afastando
Sumindo ao longe de meu apogeu

Quem sou eu?

Remo partido
Coração navegado
Alma içada
Velas ao vento

Puro relento
É meu entardecer
Faço de conta que não é comigo
Que sinto no umbigo
Este padecer

Ondas me enjoam
Gaivotas me assistem
Navego ego cego
Me dou conta de horizontes a me rodear
Assim que me esqueço
Te lembro e grito:
Sou homem ao mar!

terça-feira, setembro 27, 2005

Durante o ainda

Não tenho começo se me acho completo
Sou sim repleto de muito a me fazer
Antes de me entardecer tenho o amor que te quero
Cabe todo ele em um bilhete sem paixão
Mas ardente como é um coração em paz
Ademais sou teu sem tu o saberes
Ao me dizer nada quereres
és verdadeira só até o anoitecer
testemunha de todas as estrelas
que disfarças esconder

terça-feira, setembro 20, 2005

Imagens, sons e dessemelhanças

Anjos não criam milagres
Realizam obras com a segurança de estúdio
Filtros evitam chieiras e distorções
Total controle até atingir a perfeição
Humanos fazem show ao vivo
Muita vezes mal ensaiam
Carregam na energia
Improvisam efeitos
alheios aos próprios defeitos
Ao fim da apresentação
morrem e gravam seus feitos
como se imortais fossem
a deixar imortalidade impressa
em partituras resampleadas
de opus inacabados
Anjos não gravam
executam infinitamente
em dó maior

segunda-feira, setembro 19, 2005

The End
Tela preta, silêncio. Por um momento, tudo escuro.
Sobe a ficha técnica.
Os nomes e funções vão se sucedendo. Que pena. Todas as cenas foram ao vivo.
Não foi possível regravar as eventuais incorreções.
Se pudesse teria refeito várias cenas.
O sonoplasta me garantiu momentos de audição cristalina, mas muitas coisas não consegui ouvir claramente. Outras finji não ter escutado direito. O figurinista criou vestimentas para todas as ocasiões. O roteirista me deu rotas diversas das quais disconcordei. As falas me pregaram peças. Quando deveria dizer não disse. Quando falei, melhor teria sido me calar.
E a trilha sonora então! É só ouví-la e todas as cenas repassam perfeitamente em minha mente. Mente?
O coadjuvante muitas vezes roubou a cena e eu me achando o personagem principal fiquei ofuscado pela sua atuação.
Figurantes haviam vários. Aliás, sem exagêro, milhões.
Talvez o mais incrível é que só agora tomei conhecimento de quantos participaram na produção da minha história. Ilustres desconhecidos garantiram que inúmeras das minhas performances não passassem despercebidas. Outras tantas ninguém nunca ficou sabendo sequer da existência. Existência?
Efeitos especias não poderiam faltar. Em muitos momentos difíceis eles me salvaram a vida criando soluções que pareciam impossíveis. Até mesmo uma sobrevida.
Senti-me um super herói.
Por fim, (ou por início, não sei bem ao certo) devo dizer que qualquer semelhança com coisas, pessoas, histórias, dramas, situações, aventuras, mentiras, ou manipulações que seja, e ainda com mediocridade, esperteza, serviçabilidade, animalidade, inocência, luxúria, sabedoria, amor, etc., etc., etc., que tenha havido, terá sido (ou será) uma incidência profundamente questionável.

domingo, setembro 18, 2005

Janelas e caixas abertas
Abri minha caixa de sentimentos
Estava vazia
Não vazia de sentimentos
Mas de sentimentos vazios
que desertam as horas passageiras
e deixam insubstante
a vergonha de ser mundo
A janela aberta
está como asas recolhidas de falcão peregrino
Do tempo respinga interrogações
a torturar a mente cambiante
que entre tantos "antes"
busca o começo de um sentido
para o que não tem fim
Abraço o que meu entendimento alcança
E alcançando-o trago-o junto a mim
para que sinta o bater de minha inquietação
e tome de meu pulso e diga-me se vivo
ou se apenas sou
E tendo "feliz e inconsciente" como diagnóstico
afasta de mim essa desgraça passageira
Só o passar despercebido entre o tardio e o fugaz
expande sem interrupção ser-se o que se é
Não busco glórias do mundo
Basta-me um destino vazio
Nele preencho-me e transbordo-me sem desperdício
o vício de ser nobre como o silêncio
Apenas palavras

Descrevo
as linhas desse perfume
enrodilhado no agradecido olfato
que de fato me envolveu
Em cada esquina do teu corpo
te encontro sem atraso
Como líquor que a sede escorreu
Deslizando por entre madrugadas
Amanhecendo sonhos
Vivendo vidas
Escolhidas a quatro mãos

No diálogo dos gestos
Enquanto o tempo parou
disse-me teu tato:
és-me toque do sentido vasto
neste alabastro por ondeo medo evolou

sábado, setembro 17, 2005

Dublê

Observo oculto, palco vazio de luz
Os atos estão na cortina fechada da memória
Ecos do silêncio reconstituem cenas mal ensaiadas
Alí, mudo, ouço-me na fala mal pronunciada
Improviso-me surpreendendo-me com efeito
Momento de risco, sou coragem fora do script
Palmas, palmas, palmas... é diáfana platéia mecanizando alegoria
Olho-me no camarim de minh´alma, sem maquiagem, sem rosto
Vejo-me sem glória vã
Não, não posso apresentar-me como sou,
se o que sou, me é desconhecido
Só o ator atua completo, persona garbo empolado,
alternando humildade com vilania
Sou Zarathustra, sou mendigo, sou figurante
Amo e odeio com intensidade de até convencer-me,
garanto assim respeito, refratário respeito admirado
Drama vibra assistência que nutre drama sanguínio
Catarse vingada, posteridade forjada
Ode aos loucos é aplaudida de pé pelos doutos alienados
Tudo é espetáculo, tudo é fama fatal e gratuita
Aclamado, hipnotizado, Fausto eternizado às multidões
Alçado ao mais alto papel, morro antes do ato final
Impassível assistência, remove o inoportuno
Reposto, teia recosturada, o espetáculo não pode parar
No melhor que me premiaram, sem o saberem,
meu dublê idolatraram
Ontem


Acredito no ontem
Tudo que me foi em vão
Está no ontem
Nele plantei e sei que não colhi
Ontem nem mesmo sabia o que sei
Nem mesmo acreditava em mim
Tudo que é hoje passa Só o ontem fica
No atormento de que não volta mais

As águas acalentam minha mudez
Com o marulho constante de meu pensar que não penso
Tudo que vivi, estou vivendo agora
Como se nunca vivera antes
Uma grande biblioteca é o futuro
A aguardar as edições dos próximos “ontem”
Folheio-me enquanto há tempo
Leio-me a passar o tempo
Um dia acabo-me e só o tempo continuará
Só o ontem permanecerá na distância de cada instante