segunda-feira, dezembro 20, 2010

Decantos

Cantei para meu filho

A música dos trovadores solitários

Que falava do olor das rosas

Subindo pelas entranhas da luz

Contei para meu filho

De meus medos refletidos

no pano de fundo de minha ignorância

Da paz fingida, tingida de magia envernizada

Anestesiada pelo sonho embebido na minha pequenez

Esquecida na prateleira

Ainda ouço o vento dos meus pensamentos

Balançar as folhas da distração

O tempo, essa fluidez inodora, sempre me ilude com seu tridente

Espetado no instante que já não é

Minha alma é um eco em extinção

Hoje a saudade saúda a vida

Espremida no canto de um canto

Que cantei para meu filho

domingo, dezembro 19, 2010

Adolescência quântica

Hermes remoia a frase em sua mente que acabara de ler: “o homem é a prova concreta da falência da sua condição imortal”. Seus 14 anos era como um pires para se cortar uma melancia inteira. Maturidade que sufocava; faltava-lhe cotas extras de oxigênio perceptivo para os largos pulmões de sua consciência.

Em uma tarde chuvosa (sempre admirou a beleza das tardes chuvosas; dizia que o tempo instável e bravio despertava-lhe com voracidade o espírito inquiridor), Hermes, sentado à varanda de sua casa, olhando para os pingos de chuva que forçavam as folhas a se movimentarem bailadamente, teve uma idéia; uma idéia não, teve uma revolução mental provocada pelo espírito criativo:

“Não quero fazer 15 anos de idade; quero passar dos 14 para os 28”.

“Quem inventou a adolescência deve ter um senso de humor idêntico a de uma sardinha” — pensou.

É a mais tola das fases humana. Não me sinto criança e nem sou adulto; sou essa coisa indefinida que chamam de adolescente. Vou fechar meus olhos e em 5 segundos ao abri-los serei 14 anos mais velho. Serei um adulto. Serei como me sinto realmente. Um homem adulto.

Após um piscar de olhos, uma tartaruga olhava preguiçosamente para seus pés descalços. Agachou-se, pegou o insigne quelônio, afagou-o desajeitadamente devolvendo-o em seguida ao piso frio de sua varanda.

Não se lembrava de ter um bicho desses. Acompanhou com os olhos o lento movimento daquele animal que deveria medir uns 25cm de casco. Pensou: que vida mais estúpida! Com essa lentidão não sei como consegue procriar. Toca o telefone... levanta para atender. Uma voz rápida pede que esteja no escritório em 15 minutos em caráter urgente. Mas nem terminei o meu almoço. Levanta para pegar a chave do carro, toca o celular: “ alô amor, você pode passar na academia para pegar o Edu, estou indo com a Ciça no shopping; Ah, não esquece de trazer o laptop que já está pronto na assistência. Devo chegar tarde. Tem pizza semi-pronta. Tchau.”

Abriu a porta e se depara com uma pilha de cartas. Multa da Beth; aviso de corte de crédito e mais 9 envelopes todos eles contas próximas do vencimento.

No escritório o ambiente mais parecia uma sala de guerra em Bagdá do que uma atmosfera de trabalho. “Hermes, o chefe tá uma arara esfomeada com você”.

— Hermes, ontem recebi o nosso maior cliente para apresentar o projeto de lançamento e onde estava o senhor? Perdendo tempo com o estabanado do Galvão. Já disse que é a mim que você tem que se reportar. Chega né!

Vou precisar da revisão para amanhã às 8.

— Mas isso deve levar umas 5, 6 horas de trabalho direto...

A noite é uma criança. Peça pizza pra você e a Cleusa. Quero os dois nisso.

O cérebro de Hermes estava começando a entrar em ebulição.

Olhou pela janela e percebeu o quanto o mundo lá fora regurgitava de vida apressada, acesa tanto quanto os faróis dos carros engarrafando-se nos cérebros intransitáveis devido ao excesso de vazios acumulados.

Lembrou da tartaruga, esse representante exclusivo da paciência milenar e percebeu que sua aparente calma zen na verdade era o resultado do fardo acumulado por uma vida endurecida no casco de tantas regras e desregras. Cada vida vivida, cada vida morrida acrescia uma nódoa de cristalização arquivadas burocraticamente no porão do sem sentido.

Olhou para o relógio... faltavam 15 segundos para 15 anos. Respirou fundo — pela primeira vez — sentindo um sentimento que talvez nunca percebera que o acompanhava segundo a segundo; podia pegar a lua com a mão, de olhos fechados; voar com a imaginação para outras galáxias; vencer 500 Golias com a força de um colibri; saudar o sol que arde dentro do coração e... dormir com a alma abençoada pelo rastilho de pólvora ainda umedecido pelo orvalho das muitas portas que a consciência pode abrir para esse parente de primeiro grau da eternidade.